O sector espacial abrange uma vasta gama de actividades e tecnologias relacionadas com a exploração e utilização do espaço exterior. O desenvolvimento e lançamento de satélites, a pesquisa científica sobre fenómenos espaciais, a observação da Terra para monitoração ambiental e climática, a comunicação via satélite e a astronomia são apenas alguns dos exemplos que o sector inclui.
A construção e operação de infra-estruturas terrestres, como centros de controle e estações de rastreamento encontram-se igualmente abrangidas, apoiadas por uma indústria que engloba a produção e desenvolvimento de tecnologias e serviços relacionados com o espaço, entre as quais o fabrico de satélites, foguetões e outros veículos de lançamento, bem como a criação de softwares e sistemas de controle para operações espaciais.
Estas actividades reclamam um enquadramento jurídico robusto, composto por um conjunto de leis, regulamentos e políticas que incluíam uma estratégia clara, normas sobre o lançamento - e operação de centros de lançamento e retorno - de satélites, cobrindo designadamente a responsabilidade por danos causados por objectos espaciais.
Esse enquadramento jurídico revela-se essencial para garantir a conformidade com padrões internacionais, proteger os interesses nacionais e promover um ambiente seguro e sustentável para o desenvolvimento da indústria espacial, proporcionando a base necessária para o crescimento ordenado e inovador do sector, facilitando investimentos e avanços tecnológicos.
O desenvolvimento do sector e direito espacial em África encontra-se em franco crescimento e expansão, com perspectivas extraordinárias.
Neste presente artigo abordamos o potencial do sector e da indústria para Moçambique e o momento determinante que atravessamos, que configuram uma oportunidade única para o desenvolvimento transversal do país, designada mas não exclusivamente socio-económico e digital.
Por outro lado, pretende-se destacar a necessidade de construir um adequado e consistente enquadramento jurídico e político para o efeito.
I - Os primeiros passos dados por Moçambique:
Até à data, Moçambique tem dado passos importantes no que diz respeito ao desenvolvimento espacial.
É possível perceber que houve uma evolução no que diz respeito ao tratamento do espaço em Moçambique, apesar de o desenvolvimento do enquadramento jurídico nacional ainda estar numa fase embrionária.
O primeiro indicador que temos é a criação da Agência Nacional de Desenvolvimento Geo-espacial, IP, abreviadamente designada por ADE, IP. Esta foi criada para a promoção das iniciativas de desenvolvimento espacial, partilha do conhecimento, desenvolvimento de ferramentas de análise socio-ecónomica e realização de estudos importantes para a formulação de políticas que influenciam o processo de planificação geo-espacial, sobretudo nos Corredores de Desenvolvimento.
Para além da criação da ADE IP., foi criada também a Infraestrutura de Dados Espaciais de Moçambique, abreviadamente designada por IDEMOC, que visa facilitar a criação, troca e uso de dados espaciais e recurso a informações relacionadas, numa comunidade de partilha de informações.
A IDEMOC contará com um geoportal acessível via internet, disponibilizando várias funcionalidades, como pesquisa, visualização, descarregamento, invocação de serviços de dados espaciais na web, análise espacial, entre outras.
II - O sector no continente africano
Actualmente avaliado em 22,64 mil milhões de dólares americanos (“USD”), o mercado deverá registar um crescimento substancial até 2026, impulsionado por iniciativas estratégicas no fabrico de satélites, pelo desenvolvimento de infra-estruturas e pela ascensão de empresas do designado New Space.
É estimado que os investimentos em projetos espaciais em África desde o lançamento do NILESAT 101 pelo Egito em 1998 superem um total de 4,7 mil milhões de USD.
Na verdade, o número de países que tem vindo a constituir agências espaciais tem vindo a aumentar e já supera duas dezenas, tendo a Comissão da União Africana reforçado novamente o seu empenho em promover o avanço das capacidades espaciais do continente ao atribuir 465,34 milhões de USD para o efeito em 2024.
Ora, entre vários exemplos dignos de nota, a África do Sul merece destaque por ser um dos países mais avançados neste domínio.
Os primeiros passos relevantes em prol do desenvolvimento espacial datam do século XX, tendo sido aprovada a primeira lei relativa aos assuntos espaciais em 1993 (The Space Affairs Act No.84 of 1993). Esta lei prevê a criação do Conselho Sul-Africano para os Assuntos Espaciais, com o objectivo de gerir e controlar assuntos espaciais naquele país.
Em 2008, a África do Sul deu mais um passo significativo com a criação da Agência Espacial Nacional Sul-Africana para fomentar a investigação em ciências espaciais, fazer avançar a engenharia científica através do capital humano e apoiar a criação de um ambiente propício ao desenvolvimento industrial em tecnologias espaciais no âmbito da política governamental nacional.
A África do Sul tem duas instituições responsáveis pelo desenvolvimento espacial, a Agência Espacial Nacional da África do Sul, que se concentra na inovação e na investigação relacionadas com o espaço, e o Conselho Sul-Africano para os Assuntos Espaciais para o apoio, análise e implementação de políticas e práticas adequadas para a promoção das actividades espaciais.
A existência de duas instituições principais responsáveis pelo desenvolvimento espacial demonstram o forte compromisso do país com a indústria espacial.
O Egipto, tal como a África do Sul, é um dos países mais desenvolvidos no que tange ao mercado espacial africano, albergando a sede da Agência Espacial Africana e possuindo o maior número de satélites em órbita no continente, ao lado da África do Sul.
A Agência Espacial Egípcia foi criada em Agosto de 2019, através da Lei n.º 3 de 2018, com o objetivo de promover o desenvolvimento e a transferência de tecnologias espaciais, além de estabelecer capacidades próprias para construir e lançar satélites a partir do território egípcio, posicionando o país como um actor relevante no espaço africano.
Angola também tem mostrado interesse significativo no sector espacial. O país criou o Gabinete de Gestão do Programa Espacial Nacional e é signatário do Tratado do Espaço Exterior de 1967. Para além disso, Angola aprovou a Estratégia Espacial da República de Angola 2016-2025, que estabelece os objectivos e directrizes para o uso eficaz do espaço, com foco no desenvolvimento de satélites e outras tecnologias espaciais para beneficiar o país e se posicionar no contexto internacional.
Os últimos dados demonstram que o sector africano do NewSpace está a prosperar, com mais de 500 empresas a operar em toda a cadeia de valor espacial.
A indústria espacial africana está, notoriamente, a emergir rapidamente como um actor importante na economia espacial mundial, apresentando oportunidades extraordinárias para investidores.
III - O potencial do sector e, em particular, das tecnologias espaciais
Existe um grande potencial no desenvolvimento do sector em Moçambique que deve ser aproveitado e, em particular, das próprias tecnologias espaciais, especialmente no que diz respeito à observação da terra.
Tal como foi referido anteriormente, a criação da IDEMOC visa assegurar a existência de um geoportal acessível através da internet, que será implementado e gerido pela ADE, IP.
Nos termos da lei, prevê-se que o geoportal deverá disponibilizar, pelo menos, as seguintes funcionalidades relativamente aos dados espaciais disponibilizados na IDEMOC:
a. pesquisa;
b. visualização;
c. descarregamento;
d. invocação de serviços de dados espaciais na web (geo-serviços);
e. catálogos de dados espaciais;
f. editor de metadados;
g. carregamento de dados;
h. conversão de dados;
i. biblioteca documental;
j. sistema de comunicação com os utilizadores;
k. sistema de monitoria do geoportal;
l. análise espacial; e
m. armazenamento dos dados espaciais.
A colaboração entre o IDEMOC e a ADE, IP, é de grande relevância para Moçambique, pois permitirá, através de um painel digital, visualizar as potencialidades ecológicas das diferentes regiões. Estes dados servirão de base para a construção de infraestruturas essenciais, como escolas, hospitais, estradas e sistemas de energia e água.
Além disso, facilitará a monitorização e gestão de outros eventos importantes, como a gestão de desastres naturais, que é um fator de extrema relevância nos últimos anos, dada a vulnerabilidade do país aos mesmos.
A criação destas duas instituições demonstra um sinal de esperança quanto ao futuro, evidenciando que o Estado Moçambicano está a par da crescente e acelerada relevância que o sector espacial tem vindo a ganhar.
No entanto, estas iniciativas não deixam de se revelar tímidas face à panóplia, potencial e transversalidade das tecnologias espaciais disponíveis que podem e devem ser aproveitadas no desenvolvimento socio-económico do país.
Com efeito, o país pode beneficiar de várias formas, desde o desenvolvimento de infra-estruturas, através da utilização de dados espaciais, que podem permitir melhorar a planificação e construção de infraestruturas essenciais como escolas, hospitais, estradas e sistemas de energia e água.
Uma clara vantagem do desenvolvimento do sector espacial em Moçambique consiste na gestão de desastres naturais, na medida em que o uso do espaço será essencial para o monitoramento e mitigação de desastres naturais, um problema crescente no país devido à sua vulnerabilidade a fenómenos climáticos extremos.
O desenvolvimento de tecnologias espaciais comporta, assim, uma oportunidade única para Moçambique, permitindo-lhe melhorar a gestão territorial, enfrentar desafios ambientais e socio-económicos e fortalecer a sua posição no contexto internacional.
IV - A Agência Espacial Africana
A crescente atenção e investimento no sector espacial é um fenómeno que se tem manifestado nos vários mercados no continente africano, inclusivamente a nível da União Africana.
Com efeito, a Agência Espacial Africana foi criada em janeiro de 2023, como um órgão da União Africana, com o objectivo de promover a cooperação e a coordenação política e estratégica entre os respetivos Estados membros à luz dos objetivos delineados na Agenda 2063 da União Africana, bem como da Política Espacial Africana e da Estratégia Espacial Africana.
A Agência está localizada no Cairo, no Egipto, e será inaugurada neste mês, concretamente na semana que se inicia a 21 de abril de 2025.
A Agência será o ponto focal da colaboração entre África e a Europa e outros parceiros não africanos. Pretende-se que a mesma tenha um papel de coordenação, ao invés de estar diretamente envolvida na produção de satélites e lançamentos espaciais.
Além disso, de acordo com o estatuto de criação da Agência, um dos objectivos é fortalecer as missões espaciais no continente para garantir o acesso ideal a dados, informações, serviços e produtos derivados do espaço, bem como desenvolver uma indústria e serviços espaciais sustentáveis, fortes e locais que respondam às necessidades do continente africano.
Entre outras incumbências, cabe igualmente à Agência apoiar os Estados-membros e as comunidades económicas regionais na elaboração dos respectivos programas espaciais e na edificação das suas infra-estruturas espaciais e coordenar, a nível continental, um quadro regulador para as atividades espaciais em África.
Inaugura-se, assim, uma nova época repleta de oportunidades para o continente e, em particular, para Moçambique que não deverá ser descurada. É neste contexto que a articulação da ADE, IP e IDEMOC com a Agência Espacial Africana comporta uma vantagem que Moçambique deve maximizar.
Esta aposta no sector espacial pode permitir uma troca de experiência entre Moçambique e países pioneiros nesta área, com a possibilidade de proporcionar ao país o acesso a recursos tecnológicos, financeiros e conhecimentos para o desenvolvimento da sua própria infra-estrutura espacial.
É um sector verdadeiramente fundamental para o desenvolvimento sustentável, segurança nacional e inovação tecnológica, oferecendo inúmeras oportunidades para países em desenvolvimento como Moçambique.
A indústria espacial é um motor de inovação, impulsionando o desenvolvimento de tecnologias avançadas que têm aplicações tanto no espaço quanto na Terra, e representa uma oportunidade significativa para o crescimento económico e tecnológico de países como Moçambique.
No entanto, para promover o sector e a indústria espacial, mostra-se essencial estabelecer um quadro regulamentar desenvolvido, sofisticado e estável. Só um sistema jurídico robusto garantirá a segurança jurídica necessária para atrair investimentos e fomentar a inovação.
Além disso, a regulamentação clara e bem definida facilitará a cooperação internacional, permitindo que Moçambique se beneficie de tecnologias avançadas e práticas de outros países.
A criação de políticas e leis especificas para o sector espacial incentivará o desenvolvimento espacial, a proteção ambiental e a resiliência às mudanças climáticas, posicionando o país como um líder emergente na indústria espacial africana.
É, por isso, imperativo que o governo priorize a elaboração e implementação de um quadro regulamentar eficaz para maximizar o potencial deste sector estratégico, elaborando uma estratégia nacional e uma lei espacial completa e bem estruturada, colocando ao dispor mecanismos de incentivo ao investimento no sector e utilização destas tecnologias.
O desenvolvimento, crescimento e consolidação do sector espacial em Moçambique exige a aprovação de um enquadramento legal adequado, bem como de estratégias e programas compatíveis com as ambições nacionais.
O actual estágio de desenvolvimento do sector a nível global e a tão aguardada entrada em funções da Agência Espacial Africana tornam este momento determinante para Moçambique demonstrar o seu compromisso, através da criação de um enquadramento legislativo e político adequado às ambições nacionais. Não desperdicemos esta oportunidade.
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Este artigo é da autoria da Advogada Estagiária da JLA Karen Mimbir, em colaboração com João Lupi, associado sénior na Abreu Advogados, escritório parceiro em Portugal.